sábado, 14 de maio de 2016

A ERA DOS EUFEMISMOS


“Diante de tanta tristeza, ela preferiu faltar com a verdade”
Machado de Assis



Apenas dois dias após a aprovação do Impeachment da Presidenta Dilma Rousseff e a constituição de uma nova equipe de governo com uma nova diretriz para política econômica, fica difícil a análise de medidas diretas tomadas pela nova cúpula do governo federal. Faremos, pois, uma análise de discurso detalhada dos principais pontos ditos e propagados pela mídia e pelos próprios atores – focando no documento de intenções do PMDB, intitulado “Uma Ponte para o Futuro”.


Este programa destina-se a preservar a economia brasileira e tornar viável o seu desenvolvimento, devolvendo ao Estado a capacidade de executar políticas sociais que combatam efetivamente a pobreza e criem oportunidades para todos. Em busca deste horizonte nós nos propomos a buscar a união dos brasileiros de boa vontade. O país clama por pacificação, pois o aprofundamento das divisões e a disseminação do ódio e dos ressentimentos estão inviabilizando os consensos políticos sem os quais nossas crises se tornarão cada vez maiores.

O trecho acima é do primeiríssimo parágrafo do documento, e está recheado de verdadeiras pérolas. Reparem que “preservar” a economia brasileira deixa muito claro que o Estado deixa de ser ator direto no desenvolvimento. A chamada “pacificação” não prevê redução de desigualdades e nem o fim de confrontos das polícias com manifestantes de movimentos sociais, que constituem reais perturbações na ordem pacificadora da sociedade. “Consensos políticos” num dos países mais desiguais do mundo não existem, pois sempre haverá conflito de interesse em qualquer tomada de decisão, o que me faz questionar se o PMDB sequer conhece o próprio conceito de política. E “união dos brasileiros de boa vontade”? Sérião?

O primeiro parágrafo da primeira manifestação oficial do governo Temer já nos dá uma ideia clara das incoerências e inconsistências no que virá quanto à política econômica. A utilização de termos mais suaves e agradáveis aos ouvidos da mídia e do mercado também será uma tendência.

Passemos diretamente ao que foi dito pelo próprio presidente Michel Temer (argh!) no seu discurso de posse, no dia 12/05/2016.


Há matérias, meus amigos, controvertidas, como a reforma trabalhista e a previdenciária. A modificação que queremos fazer, tem como objetivo, e só se este objetivo for cumprido é que elas serão levadas adiante, mas tem como objetivo o pagamento das aposentadorias e a geração de emprego. Para garantir o pagamento, portanto. Tem como garantia a busca da sustentabilidade para assegurar o futuro.



Ouvindo essa parte do discurso, o ouvinte mais incauto poderia deixar passar despercebida a parte das reformas previdenciárias. A pessoa mais curiosa pode até se questionar “mas ué, que raio de reforma é essa”? A resposta, meus caros, encontra-se em eufemismos e falácias muito bem elaboradas no Uma Ponte para o Futuro. Vamos a elas:


A verdade é que o sistema não suporta mais as regras em vigor. O financiamento do sistema já é oneroso para o setor privado – 20% do valor total da folha para os empregadores e 8% para os empregados. Mas o resultado é deficitário. Em 2015 a diferença será da ordem de 83 bilhões de reais e para 2016 está previsto um déficit de 125 bilhões, que é o valor que se estimava que ocorreria por volta de 2030. Chegou 15 anos antes e promete simplesmente explodir nos próximos anos.

Opa, pera lá. Então é a aposentadoria do vovô e da vovó que tá quebrando o país e ninguém nem ficou sabendo? Quer dizer os brasileiros de boa vontade e que trabalham incessantemente todos os dias pra pagar sua contribuição do INSS estão, na verdade, sustentando a agulha de tricô e o baralho novo desses parasitas da sociedade? Acho imprescindível que voltemos aos dados oficiais pra confirmar esse absurdo!




Os dados da tabela são coletados, ano a ano, pela ANFIP (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil). Eu sei que são muitos números, e nem todos eles são assim tão relevantes, mas prestem atenção na última linha, dos “Resultados da Seguridade Social”. Ela apresenta o resultado líquido (receitas menos despesas) da Seguridade Social. Os números de 2010 a 2013 são de SUPERÁVITS que variam entre 55 e 83 BILHÕES de reais. Dava pra fazer Copa do Mundo todo ano e ainda sobrava dinheiro!

Mas qual é o motivo pelo qual o presidente e sua quadrilha equipe seguem defendendo cortes na previdência e pedindo união dos brasileiros em face dos desafios das reformas que estão por vir? Peço a atenção de quem me lê para mais-uma-juro-que-é-a-última tabela.




Os números apresentados acima são das receitas auferidas pela seguridade social de 2010 a 2013. As fontes de contribuição são as mais diversas possíveis: contribuição em folha de pagamento de empregados e empregadores; a COFINS, Contribuição para Financiamento da Seguridade Social, que todos pagamos; a CSLL, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, paga pelas empresas. As fontes são todas apresentadas ao lado esquerdo da tabela (obrigado, ANFIP), com seus resultados ao lado. Embaixo, a receita total (estou sendo o mais didático possível para o caso do Henrique Meirelles estar lendo, vai que ele só não soube interpretar a tabela).

A ideia presente nesses dados é que o objetivo claro de quem planeja desindexar os valores das remunerações de aposentados e pensionistas (desatrelando os valores do salário mínimo), reduzir os gastos com previdência, aumentar a idade mínima para aposentadoria (tudo bem explicadinho no Uma Ponte para o Futuro, recomendo a leitura http://pmdb.org.br/wp-content/uploads/2015/10/RELEASE-TEMER_A4-28.10.15-Online.pdf) é claramente ferir os direitos de trabalhadores e aposentados, reduzindo seus benefícios, e desonerar as outras fontes de arrecadação da Seguridade Social – que incluem impostos sobre lucros e COFINS.

Sempre que é apresentado o déficit da previdência na mídia, a conta que é feita é a subtração dos gastos da contribuição das folhas de pagamento, que representam, no máximo, metade das receitas da Seguridade Social. Afinal, se os próprios trabalhadores puderem pagar suas aposentadorias e benefícios, sem a necessidade de grandes contribuições patronais, nenhum dos financiadores de campanha e de lobistas em Brasília precisará se preocupar mais com seus amados lucros. É o cenário perfeito para o mercado financeiro, esse que elegeu o novo presidente da república (é assim que funciona, né?).

O argumento apresentado pelos Peemedebistas é de que as aposentadorias e pensões ficarão protegidas desde que a inflação cresça menos que os reajustes, mantendo assim o poder de compra de aposentados e pensionistas. Mas não li, em parte alguma do documento, qual é a lógica do reajuste que será utilizada daí em diante. E a inflação não será menor que zero nem em 2016, nem em 2017, nem em 2018, e pode colocar mais umas décadas nessa projeção sem medo de ser feliz. Nossa inflação é de custos e ocorre por conta de falta de estrutura produtiva eficiente e pelo aumento de preços administrados. E esse panorama não vai se alterar enquanto o “ajuste fiscal” for a palavra-chave do governo federal.  

Caso você tenha prestado atenção a todos os números, você pode estar se perguntando “mas se a seguridade social é superavitária, para onde vão os recursos?”. Isso, Michel e Henrique (caso estejam lendo), é assunto para uma outra aula e merece uma análise bem mais detalhada.





Observação: falando em eufemismos, acho fundamental encerrar o texto de hoje com a melhor definição de todas da equipe de governo do novo presidente, elaborada pelo Senador Cristovam Buarque. ~estranho~