“Diante de tanta tristeza, ela preferiu faltar com a verdade”
Machado de Assis
Apenas
dois dias após a aprovação do Impeachment da Presidenta Dilma Rousseff e a
constituição de uma nova equipe de governo com uma nova diretriz para política
econômica, fica difícil a análise de medidas diretas tomadas pela nova cúpula
do governo federal. Faremos, pois, uma análise de discurso detalhada dos
principais pontos ditos e propagados pela mídia e pelos próprios atores –
focando no documento de intenções do PMDB, intitulado “Uma Ponte para o
Futuro”.
Este programa destina-se a preservar a economia brasileira e
tornar viável o seu desenvolvimento, devolvendo ao Estado a capacidade de
executar políticas sociais que combatam efetivamente a pobreza e criem
oportunidades para todos. Em busca deste horizonte nós nos propomos a buscar a união dos brasileiros de boa vontade. O
país clama por pacificação, pois o
aprofundamento das divisões e a disseminação do ódio e dos ressentimentos estão
inviabilizando os consensos políticos
sem os quais nossas crises se tornarão cada vez maiores.
O
trecho acima é do primeiríssimo parágrafo do documento, e está recheado de
verdadeiras pérolas. Reparem que “preservar” a economia brasileira deixa muito
claro que o Estado deixa de ser ator direto no desenvolvimento. A chamada
“pacificação” não prevê redução de desigualdades e nem o fim de confrontos das
polícias com manifestantes de movimentos sociais, que constituem reais
perturbações na ordem pacificadora da sociedade. “Consensos políticos” num dos
países mais desiguais do mundo não existem, pois sempre haverá conflito de
interesse em qualquer tomada de decisão, o que me faz questionar se o PMDB
sequer conhece o próprio conceito de política. E “união dos brasileiros de boa
vontade”? Sérião?
O
primeiro parágrafo da primeira manifestação oficial do governo Temer já nos dá
uma ideia clara das incoerências e inconsistências no que virá quanto à
política econômica. A utilização de termos mais suaves e agradáveis aos ouvidos
da mídia e do mercado também será uma tendência.
Passemos
diretamente ao que foi dito pelo próprio presidente Michel Temer (argh!) no seu
discurso de posse, no dia 12/05/2016.
Há matérias, meus amigos, controvertidas, como a reforma trabalhista e a previdenciária.
A modificação que queremos fazer, tem como objetivo, e só se este objetivo for cumprido
é que elas serão levadas adiante, mas tem como objetivo o pagamento das
aposentadorias e a geração de emprego. Para garantir o pagamento, portanto. Tem
como garantia a busca da sustentabilidade para assegurar o futuro.
Adicionei uma música no momento que o Temer perdeu a voz e confesso que estou com um pouco de medo. pic.twitter.com/yjDBqUs3m8— João Lopes (@john_lopes) May 12, 2016
Ouvindo essa parte do discurso, o ouvinte mais incauto poderia deixar passar despercebida a parte das reformas previdenciárias. A pessoa mais curiosa pode até se questionar “mas ué, que raio de reforma é essa”? A resposta, meus caros, encontra-se em eufemismos e falácias muito bem elaboradas no Uma Ponte para o Futuro. Vamos a elas:
A verdade é que o sistema não suporta
mais as regras em vigor. O financiamento do sistema já é oneroso para o setor
privado – 20% do valor total da folha para os empregadores e 8% para os
empregados. Mas o resultado é deficitário. Em 2015 a diferença será da ordem de
83 bilhões de reais e para 2016 está previsto um déficit de 125 bilhões, que é
o valor que se estimava que ocorreria por volta de 2030. Chegou 15 anos antes e
promete simplesmente explodir nos próximos anos.
Opa,
pera lá. Então é a aposentadoria do vovô e da vovó que tá quebrando o país e
ninguém nem ficou sabendo? Quer dizer os brasileiros de boa vontade e que
trabalham incessantemente todos os dias pra pagar sua contribuição do INSS
estão, na verdade, sustentando a agulha de tricô e o baralho novo desses
parasitas da sociedade? Acho imprescindível que voltemos aos dados oficiais pra
confirmar esse absurdo!
Os
dados da tabela são coletados, ano a ano, pela ANFIP (Associação Nacional dos
Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil). Eu sei que são muitos números,
e nem todos eles são assim tão relevantes, mas prestem atenção na última linha,
dos “Resultados da Seguridade Social”. Ela apresenta o resultado líquido
(receitas menos despesas) da Seguridade Social. Os números de 2010 a 2013 são
de SUPERÁVITS que variam entre 55 e 83 BILHÕES de reais. Dava pra fazer Copa do
Mundo todo ano e ainda sobrava dinheiro!
Mas
qual é o motivo pelo qual o presidente e sua quadrilha equipe seguem defendendo cortes na previdência e pedindo união dos brasileiros em face dos
desafios das reformas que estão por vir? Peço a atenção de quem me lê para
mais-uma-juro-que-é-a-última tabela.
Os
números apresentados acima são das receitas auferidas pela seguridade social de
2010 a 2013. As fontes de contribuição são as mais diversas possíveis:
contribuição em folha de pagamento de empregados e empregadores; a COFINS,
Contribuição para Financiamento da Seguridade Social, que todos pagamos; a
CSLL, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, paga pelas empresas. As fontes
são todas apresentadas ao lado esquerdo da tabela (obrigado, ANFIP), com seus
resultados ao lado. Embaixo, a receita total (estou sendo o mais didático
possível para o caso do Henrique Meirelles estar lendo, vai que ele só não
soube interpretar a tabela).
A
ideia presente nesses dados é que o objetivo claro de quem planeja desindexar
os valores das remunerações de aposentados e pensionistas (desatrelando os
valores do salário mínimo), reduzir os gastos com previdência, aumentar a idade
mínima para aposentadoria (tudo bem explicadinho no Uma Ponte para o Futuro,
recomendo a leitura http://pmdb.org.br/wp-content/uploads/2015/10/RELEASE-TEMER_A4-28.10.15-Online.pdf) é claramente ferir os direitos de
trabalhadores e aposentados, reduzindo seus benefícios, e desonerar as outras
fontes de arrecadação da Seguridade Social – que incluem impostos sobre lucros
e COFINS.
Sempre
que é apresentado o déficit da previdência na mídia, a conta que é feita é a
subtração dos gastos da contribuição das folhas de pagamento, que representam,
no máximo, metade das receitas da Seguridade Social. Afinal, se os próprios
trabalhadores puderem pagar suas aposentadorias e benefícios, sem a necessidade
de grandes contribuições patronais, nenhum dos financiadores de campanha e de
lobistas em Brasília precisará se preocupar mais com seus amados lucros. É o
cenário perfeito para o mercado financeiro, esse que elegeu o novo presidente
da república (é assim que funciona, né?).
O
argumento apresentado pelos Peemedebistas é de que as aposentadorias e pensões
ficarão protegidas desde que a inflação cresça menos que os reajustes, mantendo
assim o poder de compra de aposentados e pensionistas. Mas não li, em parte
alguma do documento, qual é a lógica do reajuste que será utilizada daí em
diante. E a inflação não será menor que zero nem em 2016, nem em 2017, nem em
2018, e pode colocar mais umas décadas nessa projeção sem medo de ser feliz.
Nossa inflação é de custos e ocorre por conta de falta de estrutura produtiva
eficiente e pelo aumento de preços administrados. E esse panorama não vai se
alterar enquanto o “ajuste fiscal” for a palavra-chave do governo federal.
Caso
você tenha prestado atenção a todos os números, você pode estar se perguntando “mas
se a seguridade social é superavitária, para onde vão os recursos?”. Isso,
Michel e Henrique (caso estejam lendo), é assunto para uma outra aula e merece
uma análise bem mais detalhada.
Observação: falando em eufemismos, acho fundamental encerrar o texto de hoje com a melhor definição de todas da equipe de governo do novo presidente, elaborada pelo Senador Cristovam Buarque. ~estranho~
Ficou estranho um ministério sem mulheres, sem representantes de minorias e dos movimentos sociais.— Cristovam Buarque (@Sen_Cristovam) 12 de maio de 2016